O cheiro contradiz o princípio da volatilidade, pois ele permanece ao evaporar, transpassa o olfato, pede algo mais tátil. Ele não se contenta, não se limita, é livre e nos faz obedientes à sua vontade.
Cheiro é como paixão aristotélica, aquela à qual ficamos submetidos, aquém do potencial de mudança. Paixão da submissão, e não da ação. E cabe a nós adentramos verdadeiramente neste universo quase muscular, no qual o cheiro nos faz morar, da força do diafragma às sombras de nossas narinas, do movimento pulmonar às sinapses, o cheiro se apodera de tudo, de todos os sentidos, em todos os sentidos.
Incrível como a intangibilidade do cheiro pode deixar impressões tão vívidas em nós, tão fáceis de tocar. Palpáveis sim, mas palatáveis? Quem dera o fossem sempre. Mas é assim que ele se impõe, porque nem sempre o que exala é bom, pode ter algo de horror impregnado.
Mas falemos sobre o melhor dos aromas, o qual, em algum momento, nos afeta completamente, aquele que é único em sua mistura, que nos acalma, nos convida à serenidade, ou que nos saúde com a saudade.
Falemos sobre o cheiro que nos desestabiliza absolutamente, nos excita, nos lança por caminhos misteriosos, por becos úmidos e autenticamente perfumados, por beiradas arriscadas, por espaços aromáticos onde há prazer para o mais exigente dos hedonistas.
Se o cheiro é empírico, existe um odor por vir? Um cheiro ainda não percebido? Talvez, e passa a ser então uma inferência calcada na retomada de nossas histórias, no resgate memorável do que vivemos.
Um odor não sentido - um perfume desejado - está à frente e também no passado, ele vive em nossos processos mentais. Afinal o que é o futuro se não parte de nossas memórias?
São tantos os cheiros e aromas que orbitam em nós com vigor, nas lembranças da infância, de caju e pitanga, no futuro temerário, nos livros, no riso, no choro, na saudade e no sonho, no café, na fogueira, na comida, no banho da ducha, no mergulho no mar, na vida, no respirar.
Muitos aromas fascinam você?
Andréa Albuquerque, maio 2014