segunda-feira, 19 de maio de 2014

Tem fragrância aqui? Respire fundo e leia.


O cheiro contradiz o princípio da volatilidade, pois ele permanece ao evaporar, transpassa o olfato, pede algo mais tátil. Ele não se contenta, não se limita, é livre e nos faz obedientes à sua vontade.

Cheiro é como paixão aristotélica, aquela à qual ficamos submetidos, aquém do potencial de mudança. Paixão da submissão, e não da ação. E cabe a nós adentramos verdadeiramente neste universo quase muscular, no qual o cheiro nos faz morar, da força do diafragma às sombras de nossas narinas, do movimento pulmonar às sinapses, o cheiro se apodera de tudo, de todos os sentidos, em todos os sentidos.

Incrível como a intangibilidade do cheiro pode deixar impressões tão vívidas em nós, tão fáceis de tocar. Palpáveis sim, mas palatáveis? Quem dera o fossem sempre. Mas é assim que ele se impõe, porque nem sempre o que exala é bom, pode ter algo de horror impregnado.

Mas falemos sobre o melhor dos aromas, o qual, em algum momento, nos afeta completamente, aquele que é único em sua mistura, que nos acalma, nos convida à serenidade, ou que nos saúde com a saudade.

Falemos sobre o cheiro  que nos desestabiliza absolutamente, nos excita, nos lança por caminhos misteriosos, por becos úmidos e autenticamente perfumados, por beiradas arriscadas, por espaços aromáticos onde há prazer para o mais exigente dos hedonistas.




Se o cheiro é empírico, existe um odor por vir? Um cheiro ainda não percebido? Talvez, e passa a ser então uma inferência calcada na retomada de nossas histórias, no resgate memorável do que vivemos.
Um odor não sentido - um perfume desejado - está à frente e também no passado, ele vive em nossos processos mentais. Afinal o que é o futuro se não parte de nossas memórias?

São tantos os cheiros e aromas que orbitam em nós com vigor, nas lembranças da infância, de caju e pitanga, no futuro temerário, nos livros, no riso, no choro, na saudade e no sonho, no café, na fogueira, na comida, no banho da ducha, no mergulho no mar, na vida, no respirar.

Muitos aromas fascinam você?




Andréa Albuquerque, maio 2014

sábado, 3 de maio de 2014

DEIXEM AS ARMAS. TRAGAM O CHÁ, O CAFÉ, AS BANANAS. VAMOS CONVERSAR...

Porque racismo nem sempre é transmitido em HD...

Agora tem a campanha em favor do David, o torcedor que jogou a banana no gramado.
Vimos na última semana a campanha em favor de Daniel Alves, jogador que comeu a banana. Aliás, incrível a atitude!
Esta polêmica já foi longe demais? Não, não foi.
Já falei disso outras vezes, o debate extenua, mas o cansaço não pode nos eximir da discussão.
A agência de publicidade que lançou a campanha "Somos Todos Macacos" acabou por se defender, porque foi gerada uma outra questão, o valor da causa versus o da publicidade.
Dane-se - neste momento - , se alguém está lucrando com isso.
A propósito, eu detesto futebol, acho ofensivo os contratos bilionários, mas se foi neste neste campo que quicou este bola, vamos prorrogar o encerramento da polêmica.
Porque racismo nem sempre é transmitido em HD, é distorcido, velado, ruidoso, aparece num atravessar de rua, na passagem não dada, no fechar das janelas, no sorriso negado, no negro adjetivado, no salário menor em um mesmo cargo, no encargo da cor, no ônus histórico, o qual cabe sim, a todos nós, todos os dias, lutarmos pela sua dissolução.
Lutarmos em cada atitude nossa pela equidade humana, pelo enaltecer das diferenças; sim, diferenças!
Como pode alguém não acolher a diversidade?
Curioso.... a indignação também pode ser preconceituosa, (mas estou sempre indignada!); afinal, cada pessoa tem uma história, uma construção de crenças, uma educação. Cada um habita um mundo, e se esse mundo é estreito, há pouco espaço para o outro, para o que é distinto.
Dois pés na porta certamente abrirão a casa fechada, e já fiz muito isso, acredite. Mas aí mais fechaduras são construídas. Então como tornar mais elástico o mundo de quem destitui de valor a alteridade?
Não parece injusto nós termos de compreender o racista? Sim, parece mesmo. E talvez o seja.
Mas o que emerge ao vermos uma atitude tão cruel, um xingamento, uma agressão, um mundo onde o nivelamento é pelo horror, é uma questão tão difícil, tão desgastada, que é a prática da tolerância. 


Tolerar é coexistir, é estar livre. É respeitar a si e aos outros, é lançar mão da flexibilidade, e num grau muito elevado, é perdoar. Não posso tratar deste tema agora, do perdão, eu não consigo ainda, confesso, uma pena.

Mas certamente o exercício da tolerância a maturidade vivida ajuda bastante. 
É muito fácil para mim, com a educação que eu tive, não ser racista, o grande desafio é compreender pessoas como David, quando a vontade é de bani-lo mesmo para sempre.
Será que o caminho para um mundo mais amplo, de David, de Daniel, seu e meu, não é prática da tolerância em todos os níveis? 

Haja dedicação para tanto, não é mesmo? Até frieza, ou muito calor, muito amor.
Será que, de novo, a minoria terá de ser mais resiliente? Talvez!
Não sei, nem sei se eu conseguiria tamanha tolerância, é um desejo que tenho por um mundo melhor, não pretendo aqui deixar tudo preto no branco, estou tentando criar sombras com algumas luzes, caminhos e nuances, estou só passando a bola....
A discussão não pode parar.


Andréa Albuquerque, maio 2014