sábado, 18 de junho de 2016

Não somos girafas.

Eu fui vítima de bullying por 19 anos, eu sofri por isso, não fiquei mais forte.

Comumente as pessoas dizem: ah, na minha época não tinha esse 'negócio' de bullying
Bobagem, o fato de o nome ter vindo depois, não faz com que machuque menos.
Atribuir à prática do bullying à uma "natural" crueldade da criança, é abrir mão da responsabilidade de discutirmos seriamente esse assunto. Imagino que seja muito confortável alocar o tema a um resultado quase darwinista. "Evoluídos são àqueles que sobreviveram ao bullying". Como se fôssemos girafas de pescoço mais longo e por isso superamos as "adversidades da vida".

Adversidade não é ser humilhado dia após dia. Isso é bullying.

Quem dera tudo se resolvesse naquele instante, sem a dor guardada e detonada, muitas vezes quando adulto, ou forçadamente adormecida ali mesmo, como se tudo tivesse ficado bem... mas não ficou. Porque enquanto limites forem violentamente ultrapassados, não estará bem. 

Foram o acolhimento e a compreensão do sofrimento que me fizeram mais forte,  não a ofensa.

O Prof. Felipe de Souza nos lembra que a não aceitação (seja pela aparência física, um traço de personalidade, ou uma questão religiosa),  por um grupo no qual é imposto a presença, pode deixar marcas fortes de sofrimento.

Eu fui uma criança e uma adolescente muito obesa, completamente míope e extremamente tímida.
Era o "pacote perfeito" para a melhor ofensa, para a piada mais cruel.

Não faço ideia de onde estão e como estão as pessoas que me agrediram. Será que estão vivos? São felizem? Se lembram? Casaram? Têm filhos? Engordaram? Estou melhor que eles? Dane-se, não me importa. 

O que eu quero é que a diferença seja motivo de curiosidade, de sorriso, de perguntar por quê aquele garoto caiu, de tocar uma pele de uma cor diferente da sua e percebe-se contente por ter descoberto que o sol nos chega em tantas tonalidades, de olhar nos olhos de quem não vê e pedir ajuda de "como eu lido com você"?



Às vezes sinto que  correntes nos puxam para o retrocesso, mas correntes são puxadas por pessoas...

Em um belo post, a mestre em Diversidade, Esabela Cruz, desabafa: "Me entristece o fato de diariamente observar tanta falta de humanidade... Vejo corriqueiramente as pessoas comentando que está ficando chato essa história de 'não pode mais fazer piada' porque sofre retaliação. É machismo, racismo, sexismo, assédio moral... Chamam até de mimimi. Que seja... Gente, enquanto a gente achar engraçado dar risada quando é sabido que o teor da 'dita graça', envergonha, discrimina, ofende, ... Me diga: QUAL É A GRAÇA?
Essa história de 'na minha época bullying não ofendia', é papo de opressor... Quem sentiu na pele certamente tem a cicatriz... Aberta ou fechada". 

Precisamos parar de desrespeitar o outro, vamos ensinar às crianças a beleza da Diversidade. Não canso de dizer, que o que nos faz igual, são as nossas diferenças


Não se cale diante de uma agressão. 

Andréa Albuquerque​

quarta-feira, 1 de junho de 2016

O manifesto do manifesto II

Estranhe a si mesmo ao acessar o outro através do respeito, tolere, tolere a si mesmo também, discorde do que você achava, mude, ouse, arrisque-se a ter mais dúvidas que certezas.
Dois dias separam a 24ª edição da MARCHA PARA JESUS, da 20ª edição da PARADA DO ORGULHO LGBT.
Fico pensando se muitas pessoas celebram os dois eventos. 
Pois bem, eu não sou evangélica, não sou católica, na verdade não sou cristã, também não sou lésbica, não sou gay, não sou bissexual, não sou travesti, nem transexual, não sou transgênero. Nada disso me define, mas tudo isso me forma, porque sou humana, porque sou cidadã. Tudo faz parte de mim, sou gente, como você é. 
Você pode não ter uma deficiência física, por exemplo, mas a minha deficiência te afeta de alguma forma, porque quando eu peço um mundo sem escadas, você percebe que rampas também te levam lá. 


Se você é vegana, eu quero conhecer o seu lugar predileto para jantar, porque se faz parte de você, é diferente e é importante para mim.
Quero poder tirar os sapatos na sua mesquita, reconhecer o mihab, quero batucar no terreiro, poder citar o Torá, cruzar as pernas em lótus, tocar no relicário de Buda e nas contas do rosário, receber um passe, conhecer.

Meu ceticismo não subtrai a beleza de seu rito de fé.

Oxalá praticássemos mais e mais a capacidade de reconhecermo-nos na igualdade de cada um ser diferente de todas as outras pessoas, e na beleza disso, "o bonito não é ser igual, é ser diferente", nos ensinou Darci Ribeiro.

Você não precisa gostar do que eu penso, mas pode ser interessante compreender como cheguei até ali. Pode odiar quando uso lilás, mas me abraça mesmo assim, porque está com saudade, porque eu sou mais que uma cor, somos coloridos.
Ei, não estou defendendo agressividade aos nossos limites, temos nossos muros morais, nossos valores, que quando deparados com o oposto, inconforma-se, eu tenho muito isso; aí me afasto, e sigo, caminhando na ambiguidade do desânimo e da esperança. O que eu defendo é a coragem de ouvir coisas novas, sem preconceitos.

Busque a empatia, porque é um desperdício agarrar-se na polarização em um mundo tão plural.


Andréa Albuquerque​