De poucas lembranças da infância meu hoje é contemplado. O meu hoje é contemplado. O passado se anovela entre não saberes, entre incertezas se o que me vêm à mente foi vivido ou inventado.
Conservada em algum lugar e trazida à consciência, tomo a imagem da areia de cor bege, em um tom que acalma, eu poderia até mesmo apontar esse bege em uma escala Pantone.
Posso sentir a umidade da areia e a maresia, o barulho que o mar faz, não somente no quebrar das ondas, mas desde quando se prepara para formá-las.
O mar rouba a água que emprestou há pouco àquela faixa de areia, esse arrependimento tem um som, pronunciado quando arrasta o líquido com autoridade, mal conseguimos nos despedir da sensação gelada, ficam somente os pés afundados e o olhar para o mar pedindo mais, mais água, mais espuma, mais furinhos na areia, agora mais escura.
Posso sentir o medo de receber do mar algum bicho, escondido, rejeitado. Lembro-me da risada quando os siris apareciam. Adorava o esconde esconde nas tocas camufladas. A surpresa vinda do solo, a sensação de que as pessoas ocupavam um espaço que não era do homem, era do mar e daqueles siris.
É pueril o fascínio por tudo isso, meu encanto por praia é uma memória deliciosa da minha vida, muito embora eu tenha minhas dúvidas se é memória ou invenção, uma viagem inventada ao passado. Uma viagem litorânea, ilhada, descolada da gente, do continente.
Preciso tanto do real que desconfio dessas lembranças, mas são tão vívidas que podem passar sim por este crivo tão crítico que me acompanha. Afinal este amar o mar não é fanático, é neurótico.
E os siris estavam lá.